Em um cenário de agravamento das mudanças climáticas e crescente degradação dos solos no semiárido brasileiro, a desertificação avança silenciosamente, alterando ecossistemas, afetando a produção de alimentos, a base econômica e comprometendo a vida de milhares de famílias no campo e cidades. Aproveitamos essa data de 17 de junho, instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1994 como o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, para destacar a importância de reforçar a urgência de ações globais e locais para enfrentar o problema.

O objetivo deste dia é justamente conscientizar a sociedade sobre a importância de combater os processos de degradação do solo e da vegetação e dar visibilidade aos sistemas produtivos resilientes regenerativos e sustentáveis que combatem a desertificação e promovem segurança hídrica, alimentar e energética, conservando as paisagens sua biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Credenciada na Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD) a Fundação Araripe, completa 25 anos, consolidando seu papel como uma das instituições que participa das ações no enfrentamento desse processo buscando um desenvolvimento sustentável para as áreas susceptíveis à desertificação.

Desertificação: um desafio socioambiental
Segundo Francisco Campello, diretor técnico da Fundação Araripe e presidente do Conselho da Reserva da Biosfera da Caatinga, a desertificação é um fenômeno que vai muito além da escassez de chuvas. “A desertificação não é uma consequência da seca, mas sim uma consequência de modelos de ocupação e uso do solo que desrespeitam os limites naturais em regiões semiáridas e áridas. É um processo de degradação que pode e deve ser interrompido com políticas públicas adequadas e com o envolvimento das comunidades”, destaca Campello.
Ele reforça que o combate à desertificação passa por uma mudança de paradigma: “Não estamos falando apenas de restaurar áreas degradadas, mas de implementar modelos produtivos que permitam uma convivência digna e conservem a natureza, reproduzido os ensinamentos dos Professores. Vasconcelos Sobrinho, Geraldo Barreto e João Ambrósio, que acreditaram e nos mostraram como usar aos recursos naturais de forma responsável e sustentável sem degradar o meio ambiente”

Da mobilização comunitária às políticas públicas
Ao longo dessas duas décadas e meia de atuação, a Fundação Araripe tem articulado ações práticas em campo com participação ativa na formulação de políticas públicas. A instituição integra a Comissão Nacional de Combate à Desertificação (CNCD), é parceira do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação- FAO, onde desenvolve iniciativas com a Diretoria de Combate à Desertificação que é responsável por coordenar a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca com os governos estaduais, além de contribuir com a elaboração do Plano Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil). “Temos um compromisso técnico e político com a construção de soluções de médio e longo prazo “, afirma a Secretária Geral da Fundação Patrícia Campello.

Projetos que transformam realidades
Na prática, o trabalho da Fundação Araripe tem alcançado diretamente comunidades rurais vulneráveis em diversas regiões da Caatinga. Projetos como o Pomares da Caatinga, que tem como financiador o Fundo Socioambiental Caixa, que plantou mais de 200 mil mudas para restaura áreas degradadas com iniciativas socioprodutivas, em especial no núcleo de desertificação, do Estado do Ceará, promovendo segurança alimentar, hídrica e energética, em áreas afetada pelo processo de desertificação; o Projeto Redeser, uma iniciativa com o MMA e a FAO, específica de combate à desertificação, que apresenta alternativas para uma gestão integrada dos recursos naturais (GIRN) promovendo o uso sustentável de 16.000 ha de remanescentes da vegetação nativa em 14 comunidades fundo de pasto na Bahia para evitar desmatamento e ao mesmo implantando unidades de referência de sistemas resilientes regenerativos sustentáveis que restauram a capacidade produtiva da terra beneficiando 1100 famílias.

O conhecimento é uma ação basilar para criar uma consciência crítica quanto ao uso sustentável para a conservação da biodiversidade, o projeto Semeando Conhecimento na Caatinga, parceria da Fundação Araripe com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) vem realizando um processo de formação junto a 1.000 agricultores multiplicadores. Com apoio da Cargill em parceria com o Instituto Chico Mendes – ICMBio, 125 famílias da Reserva Extrativista Chapada Limpa, localizada na área susceptível à desertificação do Maranhão estão desenvolvendo ações de restauração em 350 ha de áreas degradadas na RESEX por meio do plantio de mais de 350 mil mudas de espécies nativas, fortalecendo as ações socioprodutivas, o associativismo e os arranjos produtivos locais.

“Trabalhamos formando multiplicadores de sistemas agroflorestais, meliponicultura, produção e plantio de mudas nativas e o manejo de recursos naturais. Ações que asseguram o uso sustentável dos recursos naturais e a recuperação de áreas degradadas, gerando renda e segurança alimentar para as famílias”, afirma Daniele Siebra, responsável pelo Centro de Estudos e Formação da Fundação Araripe.

O mais recente desses esforços é o projeto “Reflorestando a Caatinga em Unidades de Conservação”, que integra o Programa Plantar Juntos, coordenado pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado de Pernambuco (SEMAS-PE). A iniciativa representa a maior ação de restauração ecológica já realizada no bioma Caatinga, com a meta de plantar 500 mil mudas para recuperar áreas degradadas em 11 unidades de conservação da Caatinga no Estado de Pernambuco.

Para Francisco Campello, o projeto tem uma importância simbólica no campo político: “É a primeira vez que uma ação com essa escala e com financiamento público robusto se propõe a enfrentar diretamente os efeitos da desertificação em áreas prioritárias de conservação. Isso mostra uma mudança de patamar na política ambiental para a Caatinga e um reconhecimento claro do Governo de Pernambuco sobre a gravidade do problema.”

Além do impacto ambiental esperado, o projeto se conecta diretamente com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) e com as metas de Neutralidade da Degradação da Terra (NDT). A execução, que conta com a expertise técnica da Fundação Araripe, também reforça o papel da sociedade civil organizada na implementação de políticas públicas de larga escala.

Tecnologias sociais e saberes locais
Uma das marcas do trabalho da Fundação Araripe é a combinação inteligente entre ciência, saberes tradicionais e tecnologias sociais acessíveis, que dialogam diretamente com a realidade das famílias agricultoras da Caatinga. A Fundação Araripe acredita em soluções de baixo custo, fácil replicação e que valorizam o conhecimento acumulado pelas comunidades locais. As tecnologias sociais são um dos pilares mais efetivos no combate à desertificação: “Não se trata apenas de plantar árvores ou construir estruturas físicas, mas proporcionar os meios para que as comunidades sejam as protagonistas na retomada do manejo sustentável da terra, por meio de tecnologias simples, replicáveis e acessíveis para quem vive aqui”, afirma Campello.

Entre desafios e esperança: a luta por um semiárido vivo e produtivo
A Fundação é realista quanto aos desafios, mas mantém o tom de esperança, acreditando que, mesmo com as adversidades climáticas e socioeconômicas, é possível reverter o avanço da desertificação. A desertificação é evitável. Temos exemplos concretos de experiências de convivência sustentável por meio do manejo florestal de uso múltiplo da Caatinga que assegura suporte forrageiro para os rebanhos, pastagem apícola de qualidade, oferta de frutos nativos para segurança alimentar das famílias, fornece produtos madeireiros como estaca e lenha para atender a socioeconomia regional e áreas degradadas que já foram recuperadas, onde existiam feridas no solo temos ambientes produtivos, oportunizando um bem viver para comunidades que hoje vivem melhor por conta dessas intervenções. Mas para que isso avance, é preciso continuidade de políticas públicas, financiamento adequado e valorização do bioma Caatinga.

“O Dia Mundial de Combate à Desertificação, celebrado em 17 de junho é o momento de reforçarmos que o enfrentamento à desertificação não pode ser visto como algo pontual, restrito a projetos de curto prazo. Precisamos de políticas de Estado, com continuidade, escala e participação social. Lutar contra a desertificação é, antes de tudo, uma escolha social e política pelo futuro das pessoas que vivem no semiárido”, finalizou Campello.

Enquanto os desafios persistem, a Fundação Araripe segue com o seu trabalho de campo, incentivando o manejo florestal de uso múltiplo, plantando árvores, incentivando lideranças, fortalecendo as comunidades, promovendo a recuperação de áreas degradadas e articulando políticas públicas, reforçando, a cada ação, que um semiárido mais verde, produtivo e justo é possível.